“Consumidores
são ao mesmo tempo reis e escravos da sociedade de consumo”[1]
1. Escorço Histórico:
Iniciando este artigo com uma breve
análise histórica acerca das relações de consumo, mister se faz as palavras de
Luiz Regis Prado[2]:
A
doutrina ainda não é unívoca quanto à origem do Direito do Consumidor,
principalmente no âmbito penal. Segundo alguns, seus indícios datam da Idade
Antiga, de “onde se pode ver que, já na época clássica romana, se penalizavam a
especulação e o açambarcamento, se estabeleciam limites de preços, se obrigava
à declaração de mercadorias na alfândega, se penalizava a falsificação de
produtos alimentares, infrações cuja punição podia mesmo consistir na pena de
morte”[3]. Outros
entendem que a consciência da importância e necessidade de tutelar a relação do
consumo somente surgiu na Idade Média, com o advento das corporações. Em que
pesem as divergências, é preciso não esquecer que “as normas então existentes,
eram específicas relativamente à matéria que tratavam e circunscritas ao ramo
da atividade que abrangiam, tudo porque eram o fruto das circunstâncias. E se
tinham no seu escopo a proteção dos consumidores, não formavam, ainda,
verdadeiro Direito Penal do Consumo”[4]. O
importante era, no entanto, “o facto de tais normas serem, desde o início, de
natureza essencialmente penal ou, pelo menos, de carácter marcadamente
repressivo[5].
O desenvolvimento da economia de mercado
operada entre os séculos XIX e XX, implicaram evolução legal-protecionista ao
consumidor, sem, entretanto, conseguir ainda suprir o desiquilíbrio contratual
verificado entre consumidor e
fornecedor.
Veja que com a Revolução Industrial houve o
êxodo rural que implicou no crescimento populacional das cidades, o que por sua
vez implicava aumento de demanda.
Este cenário impulsionou a produção em série,
ou a “standartização”[6], caracterizada pela
redução profunda dos custos com um avassalador aumento da oferta, que visava
justamente satisfazer esta nova demanda. De forma que este sistema de produção
se superou e evoluiu ainda mais no período pós guerra, quando então passou a
avançar por todo o globo terrestre, momento em que as relações de consumo
passaram a serem vistas como uma questão socioeconômica. Pelo que ao final do
século XX, surge a necessidade de uma defesa mais eficaz do consumidor, que
historicamente em posição de inferioridade contratual ao fornecedor.
No Brasil, a matéria que tratada pela
primeira vez nas Ordenações Filipinas, teve seu marco histórico fundamental em
1988, com o advento da Constituição Cidadã, mais precisamente em seus artigos
5º, XXXII ( defesa do consumidor) e 170, V (a defesa da relação de consumo
tutelada no âmbito da ordem econômica.
Após o advento da Constituição Cidadã vieram
as Leis 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e 8.137/90 (Lei que define
crimes contra a ordem tributária, econômica, e relações de consumo).
2. Da tutela Penal nas Relações de Consumo:
Antes de adentrar aos tipos penais
propriamente ditos é de se considerar alguns pontos acerca da Tutela Penal nas
Relações de Consumo.
O Direito Penal é o
segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os
comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de
colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los
como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções,
além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua
correta e justa aplicação.
A ciência penal, por sua
vez, tem por escopo explicar a razão, a essência e o alcance das normas
jurídicas, de forma sistemática, estabelecendo critérios objetivos para sua
imposição e evitando, com isso, o arbítrio e o casuísmo que decorreriam da
ausência de padrões e da subjetividade ilimitada na sua aplicação. Mais ainda,
busca a justiça igualitária como meta maior, adequando os dispositivos legais
aos princípios constitucionais sensíveis que os regem, não permitindo a
descrição como infrações penais de condutas inofensivas ou de manifestações
livres a que todos têm direito, mediante rígido controle de compatibilidade
vertical entre a norma incriminadora e princípios como o da dignidade humana.[7]
Outrossim,
desnecessário despender rios de tinta ao fato de o Código de Defesa do
Consumidor, ao adotar conceitos amplos e indeterminados, e em algumas vezes,
até mesmo desprovidos da necessária técnica linguística e lógica, acabou por
trazer em seu bojo caráter altamente criminalizador.
É
de enfatizar-se, ainda, que a má redação da segunda parte do artigo 75 do CDC
conduziu À discussão doutrinária a respeito de ter sido adotada em matéria de
concurso de pessoas a responsabilidade objetiva. Argumenta-se, de um lado, que
o texto não “exige que o diretor, administrador ou gerente tenham uma conduta
ativa promovendo efetivamente o fornecimento, a oferta, ou a exposição à venda
de modo ilícito. Contenta-se o preceito, numa consagração implícita da
responsabilidade objetiva, que o diretor, administrador ou gerente permitam o
fornecimento, vale dizer, não se oponham, de forma eficaz, ao ato, o que é um
absurdo”[9].
Ademais, também “poderão ser eles eventualmente incriminados por terem aprovado
determinado fornecimento que, ao depois, não venha a ser feito como
inicialmente decidido, sem qualquer participação ou culpa do diretor, do
administrador ou do regente”[10]
Em sentido oposto, assinala-se que a redação apresentada pelo diploma em
epígrafe de maneira alguma conduz À assertiva de que teria “ressuscitado” a
responsabilidade objetiva no âmbito penal. A redação do texto visa a “chamar a
atenção dos diretores, administradores de entidades [...] quanto a sua
aprovação de atividade que redundem em prejuízo a [consumidores], a
investidores e outras pessoas interessadas, donde sua responsabilização também
criminal”. Trata-se de um dispositivo de “caráter explicativo e didático”.
E
continua[11]:
Em verdade, essa
previsão legal deve ser interpretada de forma restritiva, ou seja, tão somente
é imputado determinado fato ao diretor, administrador ou gerente quando existe
prova de que atuaram com dolo ou culpa. Isso porque o princípio da
responsabilidade penal subjetiva, além de ser dotado de caráter e
aplicabilidade geral (art. 18 do CP), tem amparo constitucional implícito, o
que lhe outorga indiscutível validade para todo sistema penal, sob pena de
inconstitucionalidade.
Igualmente é de se observar que o próprio
objeto do Direito Penal é a conduta humana voluntária; na capacidade de um
homem para um querer final, de forma que incabível atribuir-se responsabilidade
penal àquele que não agiu com dolo ou culpa.
Conforme leciona o professor Fernando Capez[12], ao explicar os princípios formadores do Direito
Penal, os resultado danosos que decorrem
da ação livre e inteiramente responsável de alguém só podem ser imputados a
este (princípio da auto responsabilidade).
E por fim, ao observar a discussão acerca da
possibilidade da Pessoa Jurídica ser sujeito ativo da prática de crime contra o
consumidor, não há previsão de condutas realizáveis pelo ente coletivo,
conforme facilmente observável à construção dos tipos penais. Pelo que não há
que se falar na responsabilização criminal da Pessoa Jurídica, mas do agente
que realizou a conduta delitiva.
2.1. Dos Delitos Penais Consumeristas:
Art. 63 da Lei 8.078/90. Omitir
dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos,
nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena -
Detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 1°
Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações
escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
§ 2° Se o
crime é culposo:
Pena
Detenção de um a seis meses ou multa.
O artigo em epígrafe trata-se de inovação
legislativa que busca proteger a transparência e a exatidão dos produtos e
serviços fornecidos, resguardando interesses como a vida e a saúde dos
consumidores.
O tipo penal descrito trata-se de crime de perigo, pelo que é bastante a
omissão das informações acerca da nocividade o periculosidade do produto, ou
serviço, a sua ocorrência. Ressaltando-se aqui que o tipo penal em questão é de
crime de perigo em abstrato. Ou seja,
o perigo não faz parte do tipo objetivo, de forma que ainda que no caso
concreto não é necessária a demonstração
do perigo concreto, mas apenas da omissão das informações estabelecidas no
artigo.
Trata-se de delito especial próprio, e
portanto apenas o fornecedor de produtos ou serviços poderá ser o sujeito ativo
do delito.
Igualmente, segundo o art. 3º, do Código de
Defesa do Consumidor, fornecedor é “toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços”.
Abrindo-se um pequeno hiato, consigne-se que
os crimes praticados por pessoas jurídicas só podem ser imputados às pessoas
naturais na qualidade de autores ou partícipes. Pelo que fornecedor, para efeitos penais, é toda
pessoa física ou natural que desenvolve atividades de produção, montagem
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Como sujeito passivo desse delito tem-se os
consumidores em geral.
Conforme o art. 2º, caput, do CDC, consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário final”. Persistindo
ainda a figura do consumidor equiparado: “equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo” (art. 2º, parágrafo único da Lei 8.078/90).
Antes de adentrarmos ao estudo da Tipicidade,
objetiva e subjetiva, pertinentes se fazem as preleções de Fernando Capez[13] acerca da diferença entre
objeto jurídico do crime e objeto material do crime:
Objeto jurídico do crime: é o bem jurídico,
isto é, o interesse protegido pela norma penal. É a vida, no homicídio; a
integridade corporal, nas lesões corporais; o patrimônio, no furto; a
honra, na injúria; a dignidade e a liberdade sexual da mulher, no estupro;
a administração pública, no peculato etc. A disposição dos títulos e capítulos
da Parte Especial do Código Penal obedece a um critério que leva em
consideração o objeto jurídico do crime, colocando-se em primeiro lugar os bens
jurídicos mais importantes: vida, integridade corporal, honra, patrimônio etc.
Objeto
material do crime: é a pessoa ou coisa sobre as quais recai a
conduta. É o objeto da ação. Não se deve confundi-lo com objeto jurídico.
Assim, o objeto material do homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou
omissão, e não a vida; no furto, é a coisa alheia móvel sobre a qual incide a
subtração, e não o patrimônio; no estupro, é a mulher, e não a dignidade sexual
etc. Há casos em que se confundem na mesma pessoa o sujeito passivo e o objeto
do crime; por exemplo, no crime de lesões corporais a pessoa que sofre a ofensa
à integridade corporal é, ao mesmo tempo, sujeito passivo e objeto material do
crime previsto no art. 129 do CP, pois a ação é exercida sobre o seu corpo. Por
outro lado, há crimes sem objeto material, como o de ato obsceno (CP, art.
223). Cumpre não confundir o objeto material do crime e o “corpo de delito”,
ainda que possam coincidir; este é constituído do conjunto de todos os
elementos sensíveis do fato criminoso, como prova dele, incluindo-se os
instrumentos, os meios e outros objetos (arma, vestes da vítima, papéis etc.).
Nas palavras do Professor Luiz Regis Prado[14]:
Tipicidade objetiva e subjetiva: Duas são as
condutas incriminadas no artigo 63 do CDC: omitir,
que corresponde a não fazer o que juridicamente devia fazer: dizeres (frases)
ou sinais (desenhos) ostensivos (visíveis) sobre a nocividade ou periculosidade
de produtos, entendidos como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou
imaterial (art; 3º, §1º, CDC) nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou
publicidade; deixar expressa o ato de
abster-se, de omitir de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas,
sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
Trata-se a primeira
conduta descrita (omitir), de crime omissivo puro, onde o agente não responde
pelo resultado, mas pela conduta omissiva, pelo não fazer.
Como objeto material
da conduta tem-se a embalagem do produto ou qualquer meio de publicidade
relativa ao produto.
Ressalte-se ainda que
não se trata de omissão de qualquer informação acerca do produto, mas daquelas
relativas a eventual periculosidade ou nocividade a ele inerente. De forma que
estes termos nocividade e periculosidade, que padecem de melhor
técnica na sua utilização pelo legislador, devem ser analisados pelo juiz no
caso concreto.
A segunda conduta (deixar de alertar) consubstancia-se,
também, em crime omissivo próprio, onde se pune aquele que se abstém de
ressaltar, notificar ou alertar, quanto a periculosidade de um produto ou
serviço (art. 3º, § 2º, CDC), sendo obvio que para a configuração deste crime
exista perigo ou risco ao consumidor.
O Crime do artigo 63, do CDC, é punível, em
suas duas modalidade, tanto na forma dolosa, quanto em sua forma culposa. De
forma que, por tratar-se de elemento interno do agente, na prática torna-se
muito difícil a comprovação de que se a omissão ocorreu pela vontade do agente,
ou por sua não observância ao seu dever objetivo de cuidado.
Trata-se de ação penal pública
incondicionada, e, portanto, tem como agente ativo o Órgão do Ministério
Público.
Àquele que condenado
pela prática da conduta em epígrafe poderá ser cominada as penas privativas de
liberdade e de multa, previstas no próprio artigo 63, do CDC, e, em caso de
substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (arts.
44/45 do CP), cumulativamente, ou de forma alternada, as penas de interdição
temporária de direitos; publicação em órgãos de comunicação de grande
circulação a expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação e
prestação de serviços à comunidade.
[1] Cf; Calais-Auloy, J.; Steinmetz,
F., op. cit, p. 2 , citado por PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 6ª
ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo:2014, p.70.
[2] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 6ª ed. Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo:2014, p.69/70.
[3] Mont, M. F. Da proteção penal do
consumidor: o problema da (des)criminalização no incitamento ao consumo, p. 69.
Vide , também, Amaral, L. O. de O. História e fundamentos do Direito do
Consumidor. RT, 648, 1989, p. 34.
[4] Monte, M. F., op. Cit., p. 71.
[5] Ibidem, p. 71.
[7] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – v. 1 - Parte Geral. 16ª
ed. Editora Saraiva, São Paulo: 2012. E-book: item 1.1. Da concepção de Direito
Penal.
[8] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 6ª ed. Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo:2014, p.72.
[9] Costa Júnior, P.J. da. Crimes
contra o consumidor, p. 71.
[10] Idem, Ibidem.
[11] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal
Econômico. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo:2014, p.73.
[12] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito
Penal – v. 1 - Parte Geral. 16ª ed. Editora Saraiva, São Paulo: 2012. E-book:
item 1.4.2.
[13]
Op. Cit. 15.1.3.
[14] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal
Econômico. 6ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo:2014, p.77.
*evite plágio, indique a fonte*
RODRIGUES, B.L.S., Delitos das Relações de Consumo: Introdução e o Crime de Omissão de Periculosidade ou Nocividade de Produtos e Serviços, visto em brunolsrodrigues@blogspot.com, acessado em ____________
*evite plágio, indique a fonte*
RODRIGUES, B.L.S., Delitos das Relações de Consumo: Introdução e o Crime de Omissão de Periculosidade ou Nocividade de Produtos e Serviços, visto em brunolsrodrigues@blogspot.com, acessado em ____________